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RELATÓRIO


EDUCAÇÃO

Cadê a "Pátria Educadora"?

Primeiros atos do governo Dilma mostram que o discurso da posse, que elegeu a educação como prioridade, está muito longe da realidade. Do ensino básico ao superior, o setor está em crise e as medidas tomadas pelo governo prejudicam ainda mais o estudante

Camila Brandalise (camila@istoe.com.br)
"Só a educação liberta um povo e lhe abre as portas de um futuro próspero”, cravou Dilma Rousseff em seu discurso de posse, em 1º de janeiro. A presidente justificou a alcunha de “pátria educadora” dada ao País nesse dia ao afirmar que “democratizar o conhecimento significa universalizar o acesso a um ensino de qualidade em todos os níveis, da creche à pós-graduação”. Palavras de impacto e com o aval de todos os brasileiros. Afinal, quem ousaria dizer que essa não é uma das áreas mais importantes para o desenvolvimento econômico e social de um povo? Mas medidas tomadas pelo governo mostram que ele está seguindo na direção oposta das palavras que abriram o segundo mandato da presidente eleita. Da educação básica ao ensino superior, sem distinção, todos os níveis apresentam graves problemas. Recentes mudanças no Programa de Financiamento Estudantil (Fies), por exemplo, podem deixar alunos fora do ensino superior. O corte orçamentário fará com que sejam subtraídos cerca de R$ 7 bilhões dos gastos do Ministério da Educação neste ano, o maior bloqueio entre todas as pastas. Além disso, estudos mostram que a educação básica, que deveria dar sinais de avanço, apresenta desaceleração nos níveis de aprendizado. Levando-se em conta que não se passaram nem dois meses do início de 2015, é impossível não fazer a pergunta: onde está a pátria educadora?
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O caso mais emblemático é o do Fies., programa pelo qual o governo banca a mensalidade dos estudantes. A dívida é paga após a formatura com juros camaradas. No final de 2014, o governo estabeleceu algumas mudanças, entre elas a de que só seriam mantidas no programa as instituições de ensino superior que tivessem teto de reajuste da mensalidade até 4,5%. Depois de negociações com entidades do setor e reclamações de alunos, a taxa subiu para 6,4%, o índice da inflação. Ainda assim, muitos estudantes correm o risco de deixar seus cursos porque suas universidades tiveram aumento maior do que esse percentual. Segundo a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), apenas 280 mil do 1,9 milhão de contratos haviam sido renovados até a sexta-feira 13. Procurado, o Ministério da Educação não explicou por que o percentual foi estabelecido, mesmo com a reclamação das universidades sobre a liberdade de mercado para que cada uma possa estipular o reajuste necessário. Para o professor de políticas públicas Fernando Schuler, do Insper, o fato de o programa ser do governo lhe dá o direito de colocar essa regra, mas não de uma hora para outra, como foi feito. “O planejamento financeiro das instituições é fechado com muita antecedência. Educação não é resolvida a curto prazo”, diz. “Além disso, o argumento para chegar a esse número é de que ele corresponde à inflação. Mas na precificação do ensino superior há inúmeras variáveis, como reajuste de salário dos professores, que não segue a mesma lógica.”
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No topo dos mais prejudicados es tão os alunos. Ao mesmo tempo que é preciso reconhecer o grande feito do programa em ampliar o acesso ao ensino superior e aumentar sobremaneira o número de brasileiros em universidades, uma mudança como essa deverá prejudicar milhares de estudantes, muitos deles no meio de seus cursos. É o caso de Dayanne Torquato Lourenço, 28 anos, aluna do nono período de psicologia da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo. Sua mensalidade subiu de R$ 1.155,49 para R$ 1.265,26, ou seja, cerca de 9,5%. E, ao tentar fazer o aditamento, como é chamada a renovação do contrato, a página da internet mostra um erro. “Meu Fies é integral, se não fizer esse procedimento, fico inadimplente e não consigo providenciar os contratos de estágio, necessários para a conclusão do curso”, diz. Até resolver o entrave, Dayanne, assim como outros colegas, está frequentando a graduação normalmente para não ser prejudicada. “Meu problema é com o MEC”, diz. Procurada, a Anhembi Morumbi afirma que, apesar das novas regras definidas pelo governo, “está trabalhando para garantir que todos os estudantes já beneficiados pelo programa tenham suas matrículas renovadas para este semestre”.
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Somente de 2012 para 2013, o número total de matriculados pelo Fies em instituições particulares aumentou 100% – de 11% para 21%, segundo dados de 2013 da consultoria Hoper Educação. Até 2010, quando as regras do programa mudaram e os financiamentos dispararam, o índice de inadimplência nas escolas particulares era de 9,58%, tendo caído para 8,46% um ano depois. Há um grande envolvimento das instituições de ensino com o Fies. Muitas podem perder alunos e ter prejuízos econômicos com as mudanças. “Há muitas universidades com um número alto de usuários do financiamento, mais de 80%”, afirma Romário Davel, consultor da Hoper. A perspectiva do diretor-executivo da ABMES, Sólon Caldas, é de que as faculdades vão se adequar a essa taxa. “A concepção do programa é muito focada na inclusão social e as escolas estão comprometidas com isso”, diz. Quem atrapalha é o governo. Também aluna de psicologia, Ohara de Souza Coca, 25 anos, cursa o quinto e último ano na Faculdade São Judas, em São Paulo, e passa pela aflição de não saber se vai conseguir concluir a faculdade, já que sua mensalidade passou por um reajuste de 8%. “A falta de informações tem causado grande preocupação. Enquanto isso não for resolvido, há o medo de que tenha de deixar os estudos a qualquer momento”, diz. “Não escolhi o Fies por ser cômodo, mas por ser a grande possibilidade de conseguir estudar.”
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Outra polêmica diz respeito à exigência de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e nota maior do que zero na redação para o aluno poder usufruir do Fies, mudanças impostas também no final de 2014 pelo governo. Embora seja um ponto importante a ser discutido, uma vez que o estudante precisa estar minimamente apto para acompanhar as aulas no ensino superior, por outro lado a educação básica no País ainda precisa melhorar muito para possibilitar que um aluno da rede pública chegue a uma pontuação dessas, considerada baixa, inclusive. Com esse requisito, o jovem que não teve acesso a uma boa formação estaria, mais uma vez, enfrentando dificuldade para ter acesso à educação. Recente estudo divulgado pelo movimento Todos Pela Educação com base nos dados da Prova Brasil de 2013 mostra que o desempenho dos estudantes não tem avançado. Apenas 10,8% dos municípios brasileiros atingiram a meta de aprendizado adequado para matemática no nono ano, enquanto em 2011 esse índice era de 28,3%. Em língua portuguesa, também para o nono ano, as cidades que atingiram o objetivo representam 29,6%, contra 55% em 2011. O estudo também apresenta queda se levadas em conta as disciplinas no quinto ano (leia na pág. 36). “A cada período, as metas aumentam, porque a intenção é que em 2022 pelo menos 70% das crianças tenham aprendizado adequado”, afirma Alejandra Meraz Velasco, coordenadora-geral do Todos Pela Educação. Em vez de aumentar, o percentual caiu. O Brasil avançou muito na inclusão e nos anos iniciais há uma evolução. Mas para os finais, próximos ao ensino médio, que tem grande evasão de alunos, é preciso pensar em novas políticas públicas.” Essa mesma análise pode ser feita a partir dos dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2013, divulgados em setembro de 2014. Dos 5.369 municípios com índice da rede pública calculado, apenas 39,6% alcançaram a meta de 2013 para os alunos do sexto ao nono ano. Foi a primeira vez desde 2007 que o objetivo para esse nível não foi alcançado.
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A situação se torna ainda mais preocupante em época de arrocho econômico e com corte no Ministério da Educação que chega a R$ 7 bilhões para este ano, como anunciado em janeiro. Na opinião do senador Cristovam Buarque (PDT/DF), o bloqueio de verbas vai na contramão de um verdadeiro projeto de crescimento educacional para o País, que já deveria estar em prática. “O Brasil deveria gastar R$ 9,5 mil por ano por aluno. Hoje esse valor é de R$ 3 mil a R$ 4 mil”, diz. Ou seja, o que precisava dobrar vai diminuir. “Ao longo do tempo, é preciso aumentar os recursos gradativamente, subir o salário dos professores, reconstruir escolas e garantir educação integral. É um processo que duraria entre 20 e 25 anos, mas que não se vê qualquer esforço para ser aplicado de verdade”, afirma o senador. Para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o corte traz o prejuízo de não alimentar o sistema educacional com os recursos que eram comumente utilizados. “Não ampliar melhorias em infraestrutura e até em transporte, que é o que pode acontecer, acaba fazendo com que o rendimento do aluno caia. E esse tempo não pode ser recuperado depois”, diz. Cara salienta que projetos estruturais podem ser bastante afetados pela medida. “A maior preocupação deveria recair para programas básicos, como o Proinfância, de assistência financeira a creches e pré-escolas”, afirma. “Projetos de reconstrução de escolas não têm a atenção que deveriam receber”, afirma.
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Apesar de a educação básica precisar, sim, entrar nessa pauta, o que ainda deve dominar as discussões, por enquanto, são os carros-chefes da campanha eleitoral. Além do Fies, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) também tem sido alvo de reclamações por parte de instituições de ensino (leia na pag. 37). O governo deixou de repassar verbas de financiamento dos cursos desde outubro, enquanto a então candidata à reeleição Dilma Rousseff citava orgulhosa o programa em seus discursos a todo momento e por qualquer motivo. O MEC informou na quinta-feira 19 que liberou R$ 119 milhões para regularizar o fluxo referente às mensalidades de 2014 para instituições privadas. Disse, ainda, que o pagamento de cada parcela pode ser feito em até 45 dias após o vencimento do mês de referência – há parcelas, porém, que teriam ultrapassado esse prazo.
Universidades públicas também devem sofrer com a diminuição de repasses, segundo especialistas. “Não há a menor dúvida de que a crise vá impactar negativamente o ensino superior, que é uma área dispendiosa para o governo”, afirma o professor Renato Hyuda de Luna Pedrosa, coordenador do laboratório de estudos em educação superior da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para algumas, o corte nos repasses já é uma realidade. Na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, dos R$ 11 milhões que deveria receber este ano, foram transferidos R$ 7 milhões, cerca de 30% a menos. A instituição, no entanto, afirma que ainda assim conseguiu manter as contas em dia. Devem ser adiadas melhorias em infraestrutura, contratação de novos professores, propostas de qualificação, aberturas de novos cursos e linhas de pesquisas. “O maior prejuízo é a perda da expectativa em relação ao acesso à educação, principalmente a superior. Uma das boas coisas que aconteceram no Brasil foi esse sonho concretizado de se conseguir um diploma”, afirma o senador Cristovam Buarque. “A cada ano ficava mais fácil entrar na universidade. Em 2015, parece que vai acontecer o contrário.” Que o diga a caloura do curso de enfermagem da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP) Bruna Santoni Silva, 21 anos. Dependente do Fies para começar o curso, ela pode não conseguir validar o contrato com o programa, que abre para novos alunos no dia 23, porque sua faculdade teve reajuste de 9%. “Falei com a universidade, mas eles não têm nenhuma posição sobre o assunto. Só me resta esperar, sabendo que meus estudos e meu futuro profissional estão em jogo. Aliás, não só o meu, mas de milhões de estudantes de nosso país.” Cadê a pátria educadora?
Fotos: Montagem sobre foto, Rafael Hupsel; WASHINGTON ALVES/ESTADãO CONTEÚDO,Pedro Ladeira/Folhapress; Elza Fiúza/Agência Brasil; Wellington Cerqueira/Ag. Istoé



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